Em 1949, Benjamin Graham — o pai da análise fundamentalista e mentor de Warren Buffett — publicou aquele que se tornaria um dos manuais clássicos da racionalidade nos investimentos: “O Investidor Inteligente” (The Intelligent Investor, em inglês). Mais do que fórmulas ou métodos de precificação, o livro oferecia uma lição atemporal sobre comportamento. Para Graham, o maior inimigo do investidor não era o mercado — era ele mesmo.
Entre os conceitos mais icônicos da obra está a figura de Mr. Market: um sócio de humor instável, que todos os dias oferece a você a chance de comprar ou vender suas ações a preços arbitrários — ora otimistas, ora depressivos. Cabe ao investidor decidir quando deve ouvir esse sócio, e quando deve ignorá-lo. O verdadeiro investidor, dizia Graham, é aquele que sabe manter o julgamento quando os outros oscilam entre euforia e pânico.
E qual a relação do livro “O Investidor Inteligente” de Benjamin Graham com a nossa Carta do Gestor do time Imobiliário? O livro e as lições de Graham são um paralelo interessante para fazermos com o momento atual do mercado de Fundos Imobiliários listados (FIIs), em que vemos uma distorção relevante entre preço e valor, oferecendo uma margem de segurança que poucos estão dispostos a enxergar. Ser contracíclico se torna extremamente fundamental.
É exatamente esse tipo de estratégia de investimento que se torna crucial no mercado de Fundos Imobiliários hoje. Após um período de resgates e desvalorização ao longo de 2024 — principalmente nos fundos de tijolo —, voltamos a ver níveis de desconto entre o valor de mercado e o valor patrimonial que não se observavam desde 2015.
Em muitos casos, cotas estão sendo negociadas acima de 20% de desconto sobre o valor real dos ativos — mesmo com fundamentos sólidos, vacância baixa, contratos reajustados pela inflação e fluxo de dividendos estável.
E, ainda assim, o comportamento do investidor médio segue o padrão que Graham alertava: ele evita o ativo enquanto está barato, e só volta a comprar quando os preços já subiram e o ciclo de recuperação está em curso.
Nesta Carta do Gestor, discutimos por que o momento atual nos parece ser uma das janelas mais atrativas de alocação em fundos imobiliários nos últimos anos — especialmente nos de tijolo — e por que acreditamos que, assim como em 2015, a vantagem competitiva está em agir com inteligência quando o mercado ainda age com emoção.
O Brasil vive novamente um cenário marcado por juros elevados. A inflação pressionada por fatores como o aumento nos preços de alimentos e a desvalorização do real junto ao desequilíbrio das contas fiscais levou o Banco Central a intensificar o aperto monetário e elevar a taxa Selic para 14,75% ao ano, o maior patamar desde outubro de 2016.
Além do patamar elevado da taxa Selic, chama atenção o nível historicamente alto dos juros reais. Considerando os níveis atuais de inflação e a Selic, o juro real ex-ante (descontada a expectativa de inflação) supera os 8% ao ano, colocando o Brasil entre os países com maior taxa real do mundo.
Apesar do Brasil já ter vivido outros ciclos de juros altos, existem diferenças importantes no contexto atual. No início dos anos 2000, por exemplo, quando a Selic ultrapassou 26% ao ano, o movimento refletia a enorme insegurança político-econômica do primeiro mandato do governo Lula, quando a inflação girava em torno de 12,5%. Já em 2015 – 2016, o Brasil passou por mais um ciclo de alta de juros, marcado por uma inflação que passava de 10%, o desemprego tinha disparado e o país vivia uma crise fiscal e política intensa, que culminou na recessão.
Hoje temos elevado nível de juros dadas as incertezas do cenário fiscal, mas os fundamentos econômicos atuais mais sólidos que nos ciclos anteriores. O nível de desemprego está controlado, a inflação, apesar de acima da meta, encontra-se em níveis muito mais baixos e a economia após ter apresentado um crescimento de 3,4% em 2024 começou a dar sinais de arrefecimento, refletindo o efeito da política monetária restritiva.
O mercado imobiliário, por sua vez, tem se mostrado resiliente e continua a apresentar bons indicadores em todos os segmentos.
O setor de galpões logísticos atingiu recordes históricos em 2024, com a absorção bruta totalizando mais de 4,9 milhões de m², e a absorção líquida alcançando 2,8 milhões de m². Esse movimento reduziu a taxa de vacância nacional para 8% enquanto o preço médio dos aluguéis subiu 5% no ano, conforme dados da Buildings.
No segmento de escritórios, a absorção líquida de São Paulo, maior polo econômico do país, atingiu 470 mil m², em aumento maior que 30% em relação a 2023. A taxa de vacância caiu de 20,9% para 18,9%. Na região da Faria Lima, a vacância está próxima de 10% e os aluguéis em alguns imóveis ultrapassam R$ 400/m², conforme dados da Buildings.
A descorrelação entre a dinâmica dos ativos e as altas taxas de juros levaram os preços dos Fundos imobiliários listados a apresentarem níveis de descontos expressivos. Enquanto o mercado secundário de cotas precifica os fundos com valor de mercado descontados, as avaliações dos imóveis continuam positivas e são refletidas na solidez do valor patrimonial. Atualmente o desconto médio entre o preço de mercado e o valor patrimonial dos fundos de tijolo que compõem o IFIX é de aproximadamente 15%.
Além da boa margem de segurança nos preços de entrada, o mercado também oferece um carrego expressivo para padrões históricos. Atualmente o IFIX negocia com um yield próximo de 12% a.a. enquanto o yield da NTN-B de 10 anos entrega yield próximo de 7,5% a.a. Ou seja, os FIIs oferecem um prêmio de yield (ou spread) de mais de 4% a.a.
O desconto das cotas no mercado secundário gera uma oportunidade única já que, em muitos casos, o preço implícito do metro quadrado dos ativos está abaixo tanto do custo de reposição quanto dos valores praticados em transações semelhantes no mercado privado. O preço médio dos 3 maiores FIIs de escritório do IFIX representam atualmente um preço implícito de 12.200/m² enquanto o 3 maiores FIIs de logística possuem um preço implícito de 3.300/m².
Movimentos de redução de juros são positivos para a performance de fundos imobiliários, uma vez que a atratividade da renda fixa tradicional diminui, aumentando a demanda por outros ativos, em especiais os FIIs que distribuem rendimentos mensais isentos para pessoa física. Além disso, juros mais baixos reduzem a taxa de desconto usada na avaliação dos imóveis, o que eleva o valor presente dos ativos e, consequentemente, das cotas. Por fim, a queda nos juros costuma estimular o crescimento econômico, o que beneficia o mercado como um todo — reduzindo vacância, aumentando aluguéis e impulsionando os rendimentos dos fundos.
Analisando os últimos ciclos de queda de juros é possível observar esses movimentos. Entre 2016 e 2019, quando a Selic caiu de 14,25% para 6,50%, o IFIX teve um retorno anualizado de 19,7%. De outro lado, movimentos de aumento da taxa de juros estão associados a retornos inferiores para o IFIX. Entre 2013 e 2015, a Selic foi elevada de 7,25% para 14,25% e o IFIX teve um retorno anualizado de −3,6%. Em período mais recente, entre 2021 e 2022, os juros saíram de 2,00% para 13,75% enquanto o IFIX entregou retorno anualizado de −0,1%.
A análise dos ciclos anteriores mostra que a valorização do IFIX costuma se antecipar ao início efetivo do corte na taxa Selic. O movimento de apreciação geralmente começa quando o mercado passa a enxergar que o ciclo de alta dos juros chegou ao fim — ou seja, quando se consolida a percepção de que a Selic atingiu seu ponto máximo. Esse comportamento reflete a natureza prospectiva dos investidores, que reagem às expectativas futuras de afrouxamento monetário e reprecificam os ativos antes que os cortes ocorram de fato.
Os FIIs estão oferecendo um dividend yield na casa de 12% ao ano, isento de imposto de renda para pessoas físicas, superando o custo de oportunidade do CDI. Além desse carrego elevado, há ainda potencial valorização das cotas, caso os fundos passem a negociar com menor desconto em relação ao valor patrimonial ou se houver uma redução nos juros reais. Essa combinação de renda recorrente e possibilidade de ganho de capital cria um ponto de entrada assimétrico, com uma relação entre risco e retorno atrativa.
Utilizando um cálculo de regressão linear é possível estimar o impacto no dividend yield dos fundos relacionada à variação no nível dos juros reais. Por exemplo, uma redução de 100 bps no yield da NTN-B de 10 anos está associada a uma queda no yield médio do IFIX de 130 bps. Considerando que o preço das cotas seja afetado exclusivamente por essa mudança de yield, esse movimento significa uma valorização próxima de 12% no preço.
A indústria de FIIs experimentou um grande crescimento nos últimos anos, e já totaliza mais de 1.000 fundos e aproximadamente R$ 350 bilhões. A expansão da indústria proporciona aumento da liquidez e maior gama de oportunidades, mas é acompanhado de crescente complexidade na estrutura dos fundos, que agora possuem carteiras de imóveis bastante amplas e diversificadas, além de alavancagens e instrumentos financeiros que demandam uma análise mais criteriosa.
O aumento da sofisticação e variedade de ativos disponíveis no mercado tem importantes implicações para o processo de investimento. De um lado, mais tempo e conhecimento são necessários para analisar os ativos de forma adequada, tornando a alocação mais difícil para o investidor não especializado. De outro lado, a maior diversidade de produtos permite que uma gestão ativa possa navegar os diferentes ciclos de mercado, ajustando a exposição da carteira entre os riscos conforme o cenário se altera.
Como já discutido anteriormente, movimentos de redução de juros estão associados a janelas de performance positiva de fundos imobiliários. Em especial, os fundos de tijolo comumente apresentam retornos superiores nesse contexto. Contudo, graças à diversidade de ativos no segmento de recebíveis, o investidor consegue obter bons retornos também em cenários alternativos, como em momentos de aceleração da inflação e elevação dos juros. Assim, uma política de gestão ativa pode entregar performance superior à alocação passiva no IFIX, potencializando os ganhos potenciais oferecidos hoje pelos fundos imobiliários.
O mercado de Fundos Imobiliários vive hoje um momento em que preço e valor caminham em direções distintas. Enquanto os fundamentos seguem resilientes — com vacância em queda, fluxos estáveis e ativos bem posicionados —, o humor do mercado ainda carrega o peso da incerteza recente. Essa dissonância e humor do Mr. Market, como ensinava Benjamin Graham, é justamente onde mora a oportunidade.
Com dividend yields atrativos, margem de segurança nos preços e uma estrutura fiscal favorável, os FIIs oferecem hoje um ponto de entrada raro para o investidor que busca renda isenta e potencial de valorização. Não se trata apenas de capturar um carrego elevado — mas de investir com racionalidade quando a maioria ainda hesita.
Na Tivio Capital, acreditamos que os retornos mais consistentes não vêm de apostas oportunistas, mas de posicionamentos fundamentados em análise, convicção e disciplina de ciclo. Como gestores, nossa responsabilidade é filtrar o ruído, antecipar os movimentos e construir valor no tempo certo — mesmo quando o mercado ainda não reconhece o que está diante dos olhos e o investidor ainda tende a não ser contracíclico.
Gerir e investir em Fundos Imobiliários hoje é, acima de tudo, um exercício de inteligência emocional e visão estratégica. E é justamente nesses momentos que se diferenciam os gestores preparados dos que apenas seguem o fluxo.
Seguimos firmes no compromisso de identificar assimetrias, preservar o capital dos nossos cotistas e capturar valor com responsabilidade — mesmo quando o Mr. Market bate à porta com outra opinião.
Atenciosamente,
Equipe de Gestão Imobiliária
Fonte:
Bloomberg
Buildings
Economática
QuantumAxis
Tivio Capital